Nota introdutória: o texto abaixo escrevi no Natal de 2003. Respondendo a Raquel Casiraghi, então estudante de Jornalismo da UFRGS e coordenadora Geral da ENECOS, Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação. Numa lista de discussão referente ao COBRECOS 2004, cujo o tema foi "Até Quando Esperar". Falava sobre o local do Estudante de Comunicação na nossa Democracia. Ou tentava, com algumas deficiências teóricas que serão notadas...
Conversando com algumas pessoas do atual MECOM percebo que tem muita coisa que continua atual. Apesar de, repito, faltar muita coisa no texto abaixo, cabe como reflexão.
É interessante ver um cabra já não tão idealista, mas 9 anos menos experiente...
Raquel, li tua mensagem, guria.
Mas gostaria de fazer uma pequena (?)
observação que é o erro básico (a meu ver) que o MECOM incorre. E que pelo
visto não tenho exemplo prático a vista (incluindo eu nesta lista de não
exemplos) que passa muito pela "hegemonia Petista", passa pelas
últimas mensagens com observações do Cesar Benjamin (e comentários em
outros espaços sobre estas observações.), pelo ENECOM ser como foi, a tal da
"falta de mobilização" geral estudantil (aspas que coloco por não
concordar com esta, e mais adiante eu coloco pq...). para isto vou contar umas
histórias.
- Esta de vez em
quando salta na ENECOS: era lá pelos comecinhos dos anos 1990, num ENECOm,
teve uma plenária que a galera tava muito louca (pense, pense numa plenáriaseqüelada...).
Aí uma menina surtou da seguinte Maneira: "gente, não é
possível!!! tamos aqui a horas discutindo o Sexo dos Anjos, com
a realidade lá fora!!! gente, vamos acordar!!!! gente acorda!!!! o
ZACARIAS MORREU!!!" (Foi o dia da morte do ex-trapalhão. A plenária,
atônita, decidiu fazer um minuto de silêncio em memória dele...)
-Outra, e esta já é especifica da UnB. Para isso serei repetitivo
(já tinha mandado esta mensagem antes), plagiador (quem leu Donos do Mundo e do
Poder, do Perseu Abramo, reconhecerá na hora) e meio que cínico.
“Pense numa assembléia de estudantes (ou alunos) vazia até certo ponto de
pauta; que, neste ponto de pauta, como por mágica, o auditório lote, e que a
opinião destas pessoas seja a única a ser ouvida. E que logo após a votação
deste ponto, o auditório fique vazio. Pergunta: qual o ponto de pauta?
Resposta: eleição de delegados da UNE. Errado. A permanência ou não da mesa de
sinuca no CACOM da unb. Ou qualquer coisa que interfira na satisfação pessoal,
não importando a exclusão de pessoas nesta intenção.”
No dia seguinte, foi o debate sobre o boicote sobre o provão. A atual diretoria
do CA da UnB decidiu não tomar posição enquanto os formandos da universidade
ainda não tivessem decidido se fariam ou não a prova. Fomos eu, Jonas, e mais
uma pessoa que não me lembro o nome (que é da DENEM) convencer algumas pessoas cuja
a visão de movimento estudantil é algumas pessoas lutando por outras. Não era
impressão minha, um dos presentes falou exatamente isso para o Jonas. Ficou
claramente combinado que as pessoas iam fazer todas as questões e gabaritar a
prova. A primeira vez em quatro anos.
Chamado de última hora e com ressaca
(tinha ido a uma festa no dia anterior e bebi todas para esquecer o episódio
relatado e nem tinha vontade de ir à porta das provas) para ajudar na
mobilização da porta das escolas quanto a outras faculdades . Fui para a porta
e vi, surpreso, muitas das pessoas que tinham votado em fazer a prova saindo
mais cedo. Tinha decisão de futebol no dia e eles não queriam perder...
A nota da UnB foi C.
- Durante uma palestra
e durante Grupos de Discussão que se realizavam no seminário da Paraíba,
ocorrido em Julho último, ocorreram apresentações-surpresa de uma esquete teatral.
Previamente combinada com a organização do Seminário, o grupo surgia
de repente e se apresentava. O tema da peça do grupo que se auto-intitulava “Teatro
Alternativo” passava sobre questões sociais e vinha de apresentações feitas nos
corredores da USP.
Havia nesta apresentação interação
atores-público. Durante uma destas interações, são chamadas moças
da platéia, geralmente bonitas, para uma representar um pavão. O modo de se
referir a moça que vai ser colocada na berlinda nesta parte do
espetáculo é: “Vamos falar sobre coisas mais gostosas”. E para
representar o pavão, colocava-se a moça de costas para a platéia e mostrava-se
a bunda dela.
Este não era o
único momento em que o público era ridicularizado. Mas o único momento da peça
em que uma figura do público era colocada em destaque, e também ridicularizada.
Momento onde se reificava a figura feminina partir de aspectos
estéticos e anatômicos, além de animalizar a sua figura. (comparando-a com o
pavão)
Muitos estudantes
presentes riram da peça. Eu lembro que algumas saíram por não concordar.
- Durante uma das
reuniões da diretoria da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação
(ENECOS), em um encontro nacional uma pessoa importante da comissão
organizadora deste encontro relatou problemas que tinham acontecido na festa da
noite, algo como a possibilidade de invasão. Não sei se foram estas palavras
exatamente, mas ele se referiu ao fato como: “A periferia baixou
aqui querendo invadir a festa.”
Vale destacar que pelo menos duas
oficinas realizadas durante este mesmo encontro foram realizadas por pessoas
oriundas de Periferia. E que não é a primeira vez que esta troca se realiza em
encontros de comunicação.
-Várias Universidades
públicas fornecem benefícios para que seus estudantes possam viajar a encontros
estudantis pelo país . Há algum reconhecimento (mesmo que pífio) do
posterior aprofundamento acadêmico e do caráter multiplicador destas
experiências (o discurso da utilidade social do nosso conhecimento, que na
prática não se realiza, e vejamos no próximo ponto porque). E lembrando, a
verba oriunda destes benefícios é pública. Algo análogo acontece em algumas
Universidades particulares, com os patrocínios destas instituições para
viagens, apesar de ser bem menos constante. E neste caso, a verba é oriunda da
mensalidade dos outros estudantes.
Não tenho os números exatos, mas a
dispersão dos últimos ERECOMs e do Seminário da Paraíba foi considerável.
Quando muito, tinha um terço da galera participando de forma orgânica ao
encontro. Não estou advogando que as pessoas não saiam do espaço do encontro
nenhum dia (o dia livre nos encontros de longa duração é necessário para que se
conheça a cidade onde se encontram). Mas estou relatando que pessoas foram pagas
para não participarem dos encontros, e não multiplicarem seu conhecimento
posteriormente para quem não teve a oportunidade de participar destes
encontros.
- Um último caso: temos uma
disciplina chamada Comunicação Comunitária na UnB. Basicamente, é uma proposta
de intervenção extensionista em uma comunidade sem recursos perto do
Plano. Ou seja, a prática de um projeto que sempre nos colocamos, que é o
contato (com todos os embotamentos e limitações acadêmicas possíveis) com as
classes populares. A disciplina é realizada aos sábados de manhã, depois de uma
sexta-feira à noite.
Uma estudante, quando perguntada se
queria fazer esta disciplina, respondeu que não. “Eu não sou boa o
suficiente...”
Estes comportamentos, e mais outros que
os estudantes por ventura possam ter, têm alguns elementos que podem ligá-los,
que é a mobilização política não terem motivações, digamos, revolucionárias. Há
um fetichismo pela diversão e profissionalização dentro da universidade, sendo
uma das justificativas de permanência e escolhas de ações o custo/benefício que
o levem a um aprofundamento nestas questões. Pessoas que tem algo a acrescentar
neste aspecto são valorizadas, e os espaços também colocam uma necessidade de
ser encaminhar neste sentido (como se dão as amizades
dentro da universidade, a pré-sindicalização, uma tendência a ludocracia e
ao umbiguismo).
Há uma valorização por aqueles que
divergem deste aspecto funcionalista na universidade, pois todos tem que
ter um papel na sociedade, e portanto tem que ter alguém que tenha o papel de
lutar pela coletividade (por abstenção desta coletividade). Vejam os discursos
que nos conselhos são colocados de valorizar o papel da representação discente,
e compare quando se quer uma maior participação dos poderes decisórios de
administração universitária. Aí está a especificidade da representação
discente. Quando ainda não encontramos pessoas que tem saudade da ditadura
militar...
Por isso, e não por acaso não coloquei
inimigos específicos (já cresci o suficiente para sacar que o mundo não é
dividido entre mocinhos e bandidos) penso que a universidade é apenas reflexos
de uma forma de sociedade que coloca (segundo Benjamin) civilização e barbárie
em um tipo de complementaridade que sustenta nossa posição de
lutadores da democracia e por um aprofundamento desta dialética na luta de
classes que temos no nosso dia-a-dia, onde estamos numa torre de marfim, sem
pensar da onde se retira o marfim... (Aliás, que democracia é esta?)
Terminando com outro problema. Textos
longos e densos nunca são levados a sério dentro do MECOM. O estudante de
comunicação não é acostumado a ler. O que desestimula a formulação.
Valeu quem leu provou o contrário. E
vem me estimulando todos estes anos.
Qualquer coisa é coisa qualquer, até no
Natal...
Marcelo Arruda
25/12/2003
Um comentário:
Marcelo, reli hoje esse texto. Atual, não é mesmo. :/ Talvez, em algumas questões, as coisas estejam até mesmo piores ou como uma nova roupagem (afinal, temos uma "nova classe média emergente" chegando às universidades, um novo colorido com as cotas etc), mas a universidade só expande seu tecnicismo e sua distância da realidade. Os estudantes, por sua vez, reproduzem isso e lógica individualista deste mundo. As divergências do movimento estudantil prosseguem, em sua maioria, sendo político-partidária (com a diferença de que hoje temos um governo de "esquerda).
Mas reli o texto até o final. :) Vários tb devem ter feito isso. E por isso, como disseste, fazem as coisas valer a pena. :)
grande bjs aqui do sul, com gosto de uma boa cachacinha de funcho para esquentar o frio que se aprochega devagarinho nesse 2012!
Raquel Casiraghi
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