quinta-feira, julho 06, 2006

O ator principal não foi convidado

Por Venício A. de Lima em 4/7/2006, Publicadono Observatório da imprensa...


Uma das maneiras de se identificar os interesses em jogo em determinada
decisão é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores
envolvidos ou seus representantes. No caso da adoção pelo Brasil do modelo
japonês para a TV digital, decidida pelo governo na quinta-feira (29/6), não
poderia haver clareza maior sobre quem ganhou e quem perdeu ou sobre quais,
de fato, foram os interesses atendidos.

Na véspera da assinatura do decreto presidencial, a Frente Nacional por um
Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reúne as mais representativas
entidades da sociedade civil, havia divulgado carta aberta à sociedade
brasileira sob o título "Decisão sobre a TV digital: Governo próximo de erro
histórico" ,na qual se afirmava que a escolha do padrão japonês (ISDB)
"significa a morte do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), cuja
proposta inicial baseava-se em princípios como a democratização das
comunicações, a promoção da diversidade cultural, a inclusão social, o
desenvolvimento da ciência e indústria nacionais". E mais,

"...ao optar pelo ISDB, o governo despreza o acúmulo social que sustentou
sua eleição e submete-se de maneira subserviente aos interesses dos
principais radiodifusores do país, especialmente aos das Organizações Globo.
Se levar adiante o anúncio pelo ISDB, o governo brasileiro, infelizmente – e
à semelhança dos anteriores –, seguirá tratando a comunicação exclusivamente
como uma moeda de troca política."

Já o jornal O Globo, porta voz das Organizações Globo, no dia seguinte à
decisão, estampou editorial sob o título "Rumo certo" no qual critica como
"megalomaníaca e dessintonizada [sic] da realidade" a decisão anterior do
governo Lula de tentar desenvolver um sistema nacional e completa:

"...o país optou pelo melhor [sistema de TV digital] , de origem japonesa,
mais adequado às necessidades brasileiras do que as tecnologias
concorrentes, americana e européia. (...) As emissoras, a indústria e o
Estado brasileiro entram numa contagem regressiva de sete anos para a
conversão da TV analógica em digital. Pelo menos, a direção está definida, e
no rumo certo.

Platéia seleta

Quem acompanha o desenvolvimento do setor de comunicações no país não ficou
surpreso ao constatar que, mais uma vez, venceram os interesses dos grupos
privados que historicamente controlam a nossa mídia. Também não há qualquer
surpresa no fato de que perderam os grupos que lutam pela democratização da
comunicação e pelo interesse público. Nada de novo.

No seu discurso durante a solenidade de assinatura do decreto no Palácio do
Planalto, o presidente Lula insistiu na relação democrática que seu governo
construiu com a sociedade brasileira para concluir o projeto que foi
discutido com quem quis discutir. E mais: disse que o processo de decisão
havia sido encaminhado de forma participativa com o envolvimento da
sociedade, "como é normal neste nosso mandato".

Curiosamente, no entanto, quem assistiu à cerimônia transmitida pela
NBR/Radiobrás, deve ter notado que lá estavam representantes das empresas de
radiodifusão privadas e públicas, da indústria de eletroeletrônicos, de
universidades privadas e públicas, ministros do Brasil e do Japão,
senadores, deputados e funcionários do governo de diferentes escalões.

Sem convite

Quem não estava lá? Não estava lá quem representasse diretamente os 180
milhões de telespectadores brasileiros que mal sabem o que é TV digital.

Esses telespectadores certamente não sabem que perdemos a maior oportunidade
histórica para quebrar o oligopólio da televisão brasileira e avançar na
democratização das comunicações. Também não sabem que os mesmos grupos
privados continuarão a decidir a maior parte do que vemos e ouvimos.

Não estava lá quem não tem a menor idéia do porquê da pressa para se tomar
essa decisão e vai, ao final de tudo, pagar a conta assim mesmo.

As dezenas de entidades da sociedade civil que mais legitimamente
representam o interesse público não estavam lá. Talvez não tenham sido
convidadas para a festa. O ator mais importante e em nome de quem tudo
deveria estar sendo feito, como sempre, não saiu na foto.

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