quinta-feira, dezembro 07, 2006

De oaxaca para o mundo

2 de dezembro de 2006.
COPAI-México.
I. A Outra Campanha no norte do México: dizer "Oaxaca" em cima ou em baixo
Centenas de detidos e detidas ilegalmente, dezenas de desaparecidos,torturas, golpes. Homens e mulheres jovens, indígenas, meninos e meninas,anciãos e anciãs. Como quem diz: o povo oaxaqueño de baixo. Em cima aPolícia Federal Preventiva, os paramilitares de Ulises Ruiz, os grandesmeios de comunicação, a classe política.
Calar frente a isso é dizer "Oaxaca" de cima, e de cima fazer os clientescontentes... e idiotas
Porque lá em cima se apressam em declarar que tudo voltou a normalidade eque o "conflito" está controlado porque foram detidos "os dirigentes",como se esse movimento tivesse "líderes" para serem comprados ou presos oumortos. Dizem que agora é necessário se voltar para o outro lado. Querdizer, não deixar de olhar para cima, para a parafernália do poderpolítico, para suas simulações, sua aparência de que mandam e ordenamenquanto o verdadeiro Poder dá a ordem do dia a seus meios de comunicação,comentaristas. locutores, artistas, intelctuais, chefes de polícia,militares e paramilitares.
Dizer "Oaxaca" de baixo é dizer companheira e companheiro, é acolher quemé perseguido, é mobilizar as forças próprias para a apresentação dosdesaparecidos, para a libertação das detidas e dos detidos, é informar, échamar a solidariedade e o apoio internacional, é não calar, é dizer estador do sul e indicar que se extende por todo o país e mais além dasfronteiras dos quatro lados, como se fosse por baixo por onde se nomeiam,se falam, se escutam, se caminham as dores.
Oaxaca se extende na dor, mas também na luta. Pedaçoes deste povo, como sede um quebra-cabeças de tratasse, se espalham por tod o territórionacional e mais além de um limite geográfico que, ao menos no norte, émais ridículo do que nunca.
Durante os dois meses que caminhamos nas diferentes esquinas do nortemexicano, Oaxaca foi aparecendo uma e outra vez. E se vestia de dor eraiva, e nos falava e nos olhava.
E a Outra escutou e escuta, e estende os braços como estenderam, emsolidariedade com Oaxaca, os limites de zapatistas que em duas ocasiõesparalizaram as estradas de Chiapas, e as Outras em todos os rincões doMéxico de Baixo, e os outros e outras nas esquinas do mundo. Como osestendem. Como continuarão estendendo embora ninguém leve em conta, comonão seja o espelho fragmentado que somos quem ninguém somos.
Diante de Oaxaca, para Oaxaca e por Oaxaca, dizemos:
COMUNICADO DO COMITÊ CLANDESTINO REVOLUCIONÁRIO INDÍGENA - COMANDO GERALDO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.
2 de dezembro de 2006.
Ao povo do México:
Aos povos do mundo:
Irmãos e irmãs:
O ataque que sofreu e sofre nosso povo irmão de Oaxaca não pode serignorado por quem lutamos pela liberdade, justiça e democracia em todos osrincões do planeta.
Por isso, o EZLN chama todas as pessoas honestas, no México e no mundo,para que se iniciem, desde já, ações contínuas de solidariedade e apoio aopovo oaxaqueño, com as seguintes demandas:
Pela apresentação com vida dos desaparecidos, pela libertação das detidase detidos, pela saída de Ulises Ruiz e as forças federais de Oaxaca, pelocastigo aos culpados pelas torturas, violações e assassinatos. Em suma:pela liberdade, democracia e justiça para o povo de Oaxaca.
Chamamos a que nesta campanha internacional se diga, de todas as formas eem todos os lugares possíveis, o que ocorreu e ocorre em Oaxaca, cada um aseu modo, tempo e lugar.
Chamamos a que estas ações confluam em uma mobilização mundial por Oaxacano dia 22 de dezembro de 2006.
O povo Oaxaqueño não está só. É necessário dizer e demonstrar, a ele e atodos.
Democracia! Liberdade! Justiça!
Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral doExército Zapatista de Libertação Nacional.
México.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, dezembro de 2006.
II. 45 mil kilometros em (Outra) Campanha
Em sua participação na primeira etapa da Outra Campanha, a Comissão Sextado EZLN correu por volta de 45 mil quilometros (47 mil 890, alguém anotou)no território do que já podemos chamar, com conhecimento de causa, efeitoe destino, o Outro México, o dos de baixo.
O que vimos e escutamos não só deixou por terra aquilo dos 31 estados e umDistrito Federal, já que nos encontramos com companheiros e companheirasde, pelo menos, 35 entidades: las 32 da geografia dos de cima, mais aComarca Lagunera, a Huasteca e essa entidade que cresce em identidadeprópria ao norte do rio Bravo.
O alento que move a Outra Campanha é tão grande que não cabe nem dentrodas fronteiras: ao norte do rio Bravo há outro México.
"Nunca perderemos. Estamos aqui. Vamos estar aqui sempre", disse umamenina chicana que sabe o que diz.
Escutamos e vimos muitos Méxicos, com cores e línguas distintas, compassos diferentes. E com eles nos demos conta que todos se fazez um aofalar a dor e atuar a rebeldia.
A pé, de moto, a cavalo, de bicicleta, de carro, trem e barco, fizemos 45mil kilometros de campanha bem outra e, para usar as palavras de umamulher indígena rarámuri, na serra Tarahumara, "vimos a doença e aí mesmoencontramos o remédio".
Com luz própria brilhou a dor, e começou a cintilar a árvore daresistência que abaixo está enraizada há séculos.
Não podemos continuar resistindo sozinhos, cada um por seu lado.Necessitamos nos unir, por nós e por todos.
Em poucas palavras, México só poderá viver se vive o México de baixo.
E no México de baixo só poderá viver com a liberdade d@s pres@s de Atenco,a de tod@s @s pres@s políticos do país, a apresentação com vida d@sdesaparecid@s e o cancelamento de todas as ordens de apreensção contralutador@s sociais.
III. Nem azul nem amarelo, o Outro Norte também existe
As quatro rodas do capitalismo: expoliação, desprezo, exploração erepressão, unem em baixo o que em cima dividem baseados em pesquisas edesejos azuis e amarelos.
A Outra Campanha recuperou o país, descubriu que o norte é também México.
Alguns botões de mostra:
Há uma linha em cima que une Teacapán a dautillo, em Sinaloa, com IslaMujeres, em Quintana Roo, e Puerto Progreso, em Yucatán; Joaquín Amaro aSan Isidoro, em Chiapas, com Matamoros, em Tamaulipas, e El Mayor, naBaixa Califórnia.
Nestas oito esquinas do México de baixo, famílias de pescadores sãoperseguidas por trabalhar. Assim se dá a criminalização do trabalho, baixoo corte do cuidado do meio ambiente.
A política ambiental dos governos neoliberais, tanto o federal como osestatais e municipais, é de destruição da natureza... ou de arrebatá-lasde seus legítimos guardiãos para entregá-la à voracidade das grandesempresas.
Por outro lado, em três estados, Sonora, Zacatecas e San Luis Potosí,governados pelo PRI, PRD e PAN, respectivamente, se pode constatar o querepresenta isso de "mantes as variáveis macroeconômicas".
Neles se dá a detruição do campo mexicano e a despovoação pela expulsão demilhões de mexicanos para os Estados Unidos. E a reconstrução das velhasfazendas porfiristas e seu redobramento com migrantes indígenas dosestados do sul e sudeste mexicano.
No México, a "modernidade" é voltar a época porfirista.
IV. Depois do século XIX, em cima continua... o século XIX
A máquina de fazer mecadorias se esconde na causa mas não no efeito. Portrás do mercado e por trás do salário se oculta o núcleo forte do sistema:a propriedade privada dos meios produção e troca.
As novas nações que participam na neoconquista do México estão formadaspelos bancos, as indústrias e o comércio, todos estrangeiros. E seusexércitos de conquista e ocupação são deputados, senadores, presidentesmunicipais, deputados locais, governadores, presidentes da República,secretários de Estado.
Esta é a história presente que une o México ao norte, centro e sul. Ostempos do fim do século XIX e inícios do XX voltaram:
- Expropriação de terras.
- Destruição da cultura e da história.
- Destruição da natureza.
- Destruição do tecido comunitário.
- Destruição da cultura organizativa.
- Violência de gênero contra as mulheres, intrafamilitar, social, culturale institucional.
- Desprezo aos mais velhos.
- Mercantilização da infância.
- Criminalização da juventude.
- Privatização do ensino médio e superior
- Desmantelamento do sistema educativa primário e secundário.
- Desmantelamento da segurança social.
- Destruição e reconstrução das condições laborais, para voltar ao tempode Porfírio Díaz.
- Repressão do comércio ambulante e asfixia do pequeno e médio comércio;para benefício do grande capital comercial estrangeiro.
- Desprezo e repressão a diferença sexual, inclusive dentro da esquerda.
- Autismo perverso dos grandes meios de comunicação.
" A fome mata, mas a dignidade indígena levanta", nos disse uma mulherindígena, chefa dos kumiai.
No México se trabalha para não morrer e se morre no trabalho.
V. Somos quem somos
O corpo principal da Outra Campanha são indígenas, jovens e mulheres.Trabalhadors do campo e da cidade, tod@s el@s.
No norte encontramos Oaxaca nos triquis, mixtecos e zapotecos; e tambémnos kumiais, kiliwas, kukapás, tohono o'odham o papágos, comca'ac o seris,pimas, yaquis, mayos yoreme, rarámuris, caxacanes, coras, wixaritari,kikapús, maskovos, teenek, pames, nahuas, chichimecas, tepehuanos,guarijios.
Nos povos, tribus e nações indígenas do norte é mais freqüente e naturalencontrar mulheres como chefes, dirigentes e líderes.
"Queremos continuar sendo o que somos", nos disse uma indígena rarámuri. Epoderia ter dito um ou uma jovem, uma mulher.
"Que caminhe a voz, para dar força a este mundo", diz a mulher, jovem eindígena no norte do México.
VI. Abaixo, um coração se conhece
A luta anticapitalista não nasce com a Sexta Declaração e a OutraCampanha; seguiu e segue muitos caminhos em organizações políticas,sociais, não governamentais, povos índios, coletivos, grupos, famílias eindivíduos.
A Sexta e a Outra foi o chamado para nos encontrarmos, nos conhecermos,nos respeitarmos, nos unirmos.
E se fez.
Agora devemos todos, todas, responder como Outra Campanha quem somos, ondeestamos, como vemos o México e o mundo, o que queremos fazer e como vamosfazer.
Por isso estamos convidando para a consulta interna de 4 a 10 de dezembrodeste ano.
A Outra Campanha não é outra luta abaixo, é a de cada um, mas estendendooutros laçoes, os de solidariedade e apoio, os da mesma dor e idênticarebeldia, os do respeito, os das diferenças conhecendo-se ereconhecendo-se.
O Outro México começa em baixo. E não termina até que se refaça, porquefalta o que falta.
A Outra Campanha se faz Outra frente ao de cima e seus espelhos. Não vamosconfluir nem nos unir. Quem se opõe a Calderón de cima não busca umamudança do país, mas chegar ao Poder. Quem nos opomos a Calderón de baixo,estamos contra tudo o que lá em cima simula idéias e pratica desprezos.
O oficial será derrotado, e o "legítimo" também, e o mesmo o nome que tomequem suponha que tudo voltará a ser igual e que de cima se decide por econtra os de baixo, para administrar o mesmo pesadelo do qual padecemos.
Este país está cheio de esquinas, de rincões. Daí, e não dos palácios, dassedes de governo e bunkers da classe política, sairá, crescerá e seráoutra alternativa.
Todo o país vive num cárcere, mas há cárceres que parecem e são prisões.Por isso a luta pela apresentação com vida dos desaparecidos, a liberdadepara @s pres@s de Atenco, e agora de Oaxaca, devem ser parte de umacampanha nacional.
Junto a isso, se podem levantar movimentos nacionais contra as altastarifas elétricas, a defesa e proteção do meio ambiente e a promoção docomércio ambulante e pequeno comércio, assim como o boicote ao grandecomércio.
Como zapatistas chamamos a atenção sobre o que tem de contribuição aslutas anticapitalistas de grupos e coletivos anarquistas e libertários emsua autogestão.
Em Chihuahua nos contaram dos tlatoleros, os mensageiros indígenas quecorriam os povos convidando a levantarem-se contra o virreinato. De uma ououtra forma, temos sido e seremos isso.
Enquanto quem olhou para cima voltam ao cotidiano e ao tema da moda, aOutra Campanha olha a si mesma, se define, se prepara.
Em cima olham, falame perguntam pelo 2012. Abaixo a Outra Campanhacontinuará perguntando quem e o que no Programa Nacional de Luta, depois ocomo e quando. Então o calendário de cima será deixado de lado e seguiráoutro de baixo e à esquerda.
Chegou a hora. Seremos o que somos, mas outros melhores.
É necessário despertar.
Subcomandante Insurgente Marcos.
Comissão Sexta do EZLN.
Delegado Zero.
México, dezembro de 2006.
P.S.: No quartinho sem janelas de Sombra, só o relojo permite distinguir odia da noite. Aí sempre é madrugada. Sombra se prepara agora para voltaràs sombras de onde nasceu e o alimentam. Faz contas e recontas. Se acomodade novo o coração rompido e cheio de cicatrizes e remendos. Leva anclas,acende velas. Outros país leva colado nos pés, na pelo, nos ouvidos e noolhar. Leva uma dor e uma raiva que não cabe nas palavras de todas aslínguas. Nas montanhas do sudeste mexicano, no moreno coração coletivo quemanda, espera uma resposta que já conhece há séculos: é necessárioamanhecer, como por si mesmo amanhece, quer dizer, com dor e com raiva.Sombra sabe o que escutará da morena montanha que o guia. Dando alívio ádor e esperança à raiva, em língua ancestral dirá: "Não se preocupe muito,não tenha pena, que não esteja triste o coração de nossa Pátria, poruqeainda falta o que falta".

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